terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Troncos perdidos nos túneis

Ao contrário do que pensava, já sabia que direcção tomar e também não estava sozinha.
Antes de avançar, perguntei-me se seguir gritos desconhecidos, estando eu bastante longe da luz do dia, seria o mais aconselhável. Acho que não haveria outro caminho a tomar, apesar de existirem vários… Foi o único túnel que demonstrou algum sinal de presença de vida, mesmo que isso me pudesse tirar a minha.
Finalmente dei o primeiro passo em frente, em direcção ao local, que parecia ser a origem do barulho. Aquele lugar tornava-se cada vez mais esquisito, mesmo que já me estivesse a habitual a ele.
Após caminhar um pouco, começou a surgir um caminho de pedra. Como se alguém se tivesse lembrado de embelezar o local (sim, porque construir os próprios túneis, já não era suficientemente estranho), o que duvido que tivesse alguma utilidade, uma vez que não deveria ser habitual ter visitas.
Mas, se mantêm este sítio escondido, das duas, uma, ou é um local de tortura, ou há algo de muito valioso aqui escondido.
O túnel parecia nunca mais ter fim! E para piorar a situação, nunca mais ouvi a voz que me guiou até ali. Estava a ficar cada vez mais escuro, à medida que a luz, do candeeiro a petróleo, ia perdendo intensidade. Ao contrário da luminosidade, o frio era cada vez maior e o ar tornava-se mais pesado.

Com a pouca luz que existia acabei por tropeçar. Não percebia a razão, para existir alguma espécie de ramo ou tronco, ou outra coisa parecida ali perdida. Quando me tentei levantar, percebi que não tinha tropeçado num tronco, nem muito menos num ramo, o que ali estava era uma perna. Antes que pudesse entrar em pânico, reconheci a pessoa que ali estava. Era o senhor Dylan, e quando me recompus, vi que também ali estava a senhora Bridgit! Estavam amordaçados e atados com cordas, e conseguiam ver-me!

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Descida às profundezas

Quando tentei rodar a alavanca ela moveu-se, a cama desapareceu e revelou uma enorme escadaria. Aparentemente a cama era só uma forma de ocultar algo que não se queria ver revelado. As escadas estendiam-se em profundidade, de tal modo que não conseguia ver onde acabavam ou o que se encontrava lá em baixo.
Visto que já não tinha nada a perder, só me restava uma alternativa: entrar nas escadas sem fundo e rezar para que esta fosse a resposta.
Mesmo antes de entrar na escuridão total, olhei uma última vez para a grande janela que existia naquele quarto. O sol brilhante e o calor intenso tinham-se dissipado. Em pleno Verão, avizinhava-se uma grande tempestade. O céu estava tão negro, que fazia lembrar a escuridão em que estava prestes a mergulhar, não existia ninguém na rua, toda a gente se tinha recolhido nas suas casas… Imediatamente a seguir de ter pisado a primeira escada, as primeiras gotas de chuva começaram a cair, o que rapidamente se transformou numa corrente contínua de água, que quase nem me deixava ouvir os meus próprios pensamentos.
Felizmente (ou infelizmente), estava já a meio do percurso quando o barulho se começou a dissipar, não era que a chuva tivesse parado, simplesmente encontrava-me cada vez mais longe da superfície. Os meus olhos já se começavam a habituar à falta de luz, e apesar de ao que tudo indicava continuar invisível, o frio estava a aumentar e eu sentia-o bem! Mas, como já não tinha quarto, muito provavelmente, também as minhas roupas teriam desaparecido, por isso, nada de casacos para mim.
Na continuação da minha descida, iniciou-se um clarão, não sabia bem se estava a imaginar a aparição súbita de luz. O que ao início parecia imaginação revelou-se bem real! No final da escadaria encontrava-se uma lanterna antiga. Era igualzinha aquelas que o pai expõe na sala, e que se orgulha de dizer que são antiguidades, chama-lhes candeeiros a petróleo.
Parecia que esta visita estava a melhorar, até começar a piorar… Com a luz da lanterna, vi que me encontrava num túnel, ou melhor eram vários os túneis por onde poderia escolher.

Fiquei num impasse, sem saber que caminho tomar. Estava sozinha, a vários metros da superfície e agora tinha uma decisão para tomar, que iria ser tomada através de uma mera escolha aleatória. Era o que eu pensava, até ouvir gritos vindos de um dos túneis…

domingo, 29 de dezembro de 2013

Lagarto

A única forma de resolver o problema seria regressar ao local onde tudo aparentava ter começado.
Por isso, fiz o mesmo caminho, mas desta vez no sentido contrário. Ainda me lembro do entusiasmo que me inundava da primeira vez que visitei a casa. Desta vez, era o desespero que me controlava, tinha agora o que parecia a minha única oportunidade de reverter a situação em que me encontrava.
Quando acabei de percorrer o famoso jardim, não tive de bater à porta, desta vez encontrava-se aberta. Só podia ser um sinal de que estavam à minha espera, que sabiam o que me tinha acontecido e que muito provavelmente tinham culpa no cartório.
Entrei no salão, que continuava com o mesmo aspeto pouco asseado de sempre. Chamei pelos donos, mas não obtive nenhuma resposta. Tive medo que até eles não me conseguissem ouvir. Comecei a subir as largas escadas que davam para o segundo andar. Por mais irónico que possa parecer, estava a fazer exatamente o que desejara há semanas, só que agora era a última coisa que me apetecia fazer.
Como não encontrava ninguém nos corredores, abri uma das muitas portas que existiam naquele piso. Entrei num quarto, no meio estava uma cama enorme em tons de vermelho, em estilo dossel, com uma colcha de cetim, um pouco usada. O chão estava coberto por azulejos, e no centro estava desenhado o mesmo lagarto, que se encontrava lá fora na fonte do jardim.

Quando me aproximei reparei que os olhos do lagarto tinham algo de estranho, era como se fosse uma alavanca giratória!

sábado, 28 de dezembro de 2013

Troca de normalidade por invisibilidade

Pela reação da minha mãe, mas principalmente do meu irmão, que estava tão preocupado com o pai, reparei que a chegada do pai não lhes tinha causado qualquer surpresa. Como num dia normal, a minha mãe perguntou-lhe como tinha sido o seu dia e logo de seguida voltou para a cozinha. Depois, decorreu o habitual ritual, em que o pai tenta que o meu irmão pare de ver televisão, para ir dar um passei ou jogar futebol, que acaba sempre da mesma forma: com os dois a ver televisão até à hora de jantar.
Sentia-me feliz. O pai tinha voltado, assim como a normalidade, algo que ansiava há vários dias. Não me lembro era de trocar a normalidade da minha família, pelo meu novo estado de invisibilidade. Como se costuma dizer: nem tudo na vida é perfeito; mas isto é abusar!
Voltei para o meu quarto e, qual não é o meu espanto, que ao entrar no quarto já não era meu. Ou melhor, o meu quarto estava agora transformado numa espécie de sala de arrumos, onde conseguia identificar os velhos brinquedos do meu irmão, as roupas de inverno e uma velha televisão, que nem sabia que ainda existia. A única parte, que no meio do amontoado de objectos, me fazia lembrar o meu velho quarto eram as paredes, continuavam com a mesma cor amarelo-torrado que sempre detestei.
A partir daquele momento, percebi que para eles, era como se eu nunca tivesse existido. Como se o meu irmão fosse filho único, o que não deveria ser fácil de suportar. Como se o dia do meu nascimento tivesse sido apagado por completo da história da humanidade, ou pelo menos desta família…
Duvido que alguém fosse capaz de se contentar com a sua inexistência. Por isso, eu não iria ser a primeira, tinha de sair de solucionar o problema, e o mais rápido possível.

Quando fui à casa ao lado perguntar pelo meu pai desaparecido, em princípio estava tudo bem, até me ajudaram. Se o problema começou, só pode ter sido depois disso, ou melhor, durante a visita…

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Segunda dimensão

Comecei a insistir com ela. A perguntar se não achava a situação grave, se sabia de alguma coisa que eu não sabia. Mas, a reação dela era sempre a mesma, não me respondia, nem sequer olhava para mim.
Era como se eu nem estivesse mesmo à sua frente. Como se me tivesse tornado invisível.
De repente entra o meu irmão, logo atrás da mãe. Reparo que quando ela entrou estava a falar com ele, e não comigo. Dirijo-me ao meu irmão e pergunto-lhe o que se passa com a mãe, mas ele, passa por mim, não me responde e vai direito à sala.
Começo quase a berrar, numa tentativa frustrada de alguém me dar a atenção que estava a pedir e que merecia. Mesmo assim não consegui arrancar qualquer tipo de expressão daqueles dois, na realidade era como se não me tivessem ouvido.
Comecei a pensar que estivessem a ficar malucos, nem nos meus piores sonhos pensei que algo assim pudesse acontecer. Não estava a perceber nada.
Após tentar várias vezes que me ouvissem, o que acabou por não resultar, percebi que tudo o que eu fizesse não iria resultar. Quem devia estar a ficar maluca era eu! 
Estava presa numa espécie de segunda dimensão, presa em silêncio. Eu conseguia vê-los tocar-lhes e eles, nem ouvir um grito meu conseguiam. Já tinham acontecido coisas bastante estranhas durante estas últimas semanas, mas esta definitivamente batia qualquer acontecimento dos últimos tempos da forma mais assustadora possível. Como é que algo assim foi acontecer sem que eu desse por isso? Será possível alguém tornar-se invisível e muda de um momento para o outro?

Durante o meu momento de desespero, eis que a porta se abre novamente. Desta vez, por mais surpreendente que fosse, era o pai que tinha regressado, sem malas nem nada, como se tivesse acabado de voltar do emprego.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

A porta fechou-se...

Enquanto me encontrava no meu quarto a pensar nos meus próximos passos, ouvia a porta da rua a fechar-se. Pensei que tivesse sido eu a deixá-la aberta, uma vez que que tinha chegado com tanta pressa. Mas, depois lembrei-me, e bastante claramente, que tinha batido com a porta à chegada.
Nestas últimas semanas, o meu irmão tem passado as tardes numa espécie de ocupação de tempos livres. Não percebo o que ele vê naquilo, fica o dia todo a cantar canções infantis e a pintar os mesmos desenhos, dias a fio. Deve ser uma necessidade de integração, uma vez que todos os miúdos do bairro vão para lá, ou ou  porque não sobra ninguém que fique em casa à tarde, uma vez que todos os miúdos passam todas as suas tardes naquele local e não sobra miúdo para brincar.
Sabendo disto, como é que a porta se teria aberto sozinha? Por momentos pensei que pudesse ser o pai, que tivesse regressado e que me iria dar uma explicação plausível para a sua saída de casa, e que tudo o que passou deixaria de ser uma incógnita.
Quando fui até às escadas ver quem era… Vi que era a mãe! Tinha regressado do congresso! O que não deixava de ser bom, ao menos sabia que ainda tinha mãe…
Desci as escadas o mais rápido que pude. Cheguei ao pé dela e comecei a contar tudo o que se tinha passado, sobre como o pai tinha saído com umas malas de manhã e ainda não tinha voltado, fazia dois dias.

Estava à espera de uma reação desesperada, que a mãe desatasse a ligar para todos os números de emergência, hospitais e conhecidos. Mas, em vez disso, mudou de assunto, como se não tivesse ouvido a gravidade da situação que eu lhe acabara de contar.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Finalmente notícias do pai!

Finalmente notícias do pai! Nunca pensei que fosse aqui que iria encontrar as tão esperadas pistas que tanto ansiava. Depois de dias sem saber o que fazer, andar desamparada, com medo de nunca mais saber nada dele… Tinha finalmente algo a que me agarrar.
O senhor Dylan, contou-me que o pai tinha saído naquela exata manhã, com uma mala e bastante apressado. A partir deste momento todas as minhas esperanças desapareceram e fiquei sem saber o que dizer, não eram estas as pistas que esperava encontrar...
Não é possível imaginar a cara de espanto, surpresa e de profunda estupidez, com que fiquei depois de me dizer aquilo. Quem não ficou a perceber nada foi o senhor Dylan, que não percebia como é que o meu pai tinha viajado e eu não sabia. Explicou-me que pensava que ele tinha ido ter com a mãe à convenção. Mas, nem fiquei o tempo suficiente para que ele me pudesse perguntar seja o que for. Agradeci, virei costas e fui a correr para casa. Fechei a porta, subi as escadas o mais rápido que pude e fechei-me no meu quarto.
Tanta coisa me passava pela cabeça, tinha mil e uma ideias a passearem, todas misturadas, o que não me permitia pensar direito. Tanta coisa para assimilar, que nem eu sabia por onde começar.
O meu pai não seria capaz de nos abandonar, muito menos de me deixar a mim e ao meu irmão em casa sozinhos, sabendo que a mãe estava fora. Esta história não me convenceu, e não iria ficar sentada a pensar que o meu pai saiu de casa de livre vontade.

Ele só podia ter sido obrigado…

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Veia de Detetive

Na manhã seguinte decidi que não podia ficar de braços cruzados em casa, como se nada se passasse, como se a minha vida decorresse na mais perfeita normalidade.
Fui à polícia, expliquei toda a situação. Disseram-me que era cedo demais para tirar conclusões e que o melhor era esperar. Mas, esperar pelo quê? Esperar que o meu pai, ou o que sobrar dele, apareça em algum sítio, abandonado, após um assalto que correu mal? Esperar que passem anos, e que as notícias sobre o seu desaparecimento sejam, nenhumas?
Não ia esperar.
Sempre tive uma veia de detective, e como tal, meti na cabeça que, se o meu pai estava desaparecido de certeza que podia arranjar alguma pista que me levasse ao seu paradeiro.
Ninguém desaparece como por magia, sem deixar rasto ou algum tipo de pista. Tem de haver alguém, que o tenha visto naquele dia terrífico.
Comecei por fazer uma pequena investigação mesmo ali, no bairro onde morávamos. O pai teve de sair de casa, e ninguém melhor para saber as saídas e entradas de cada um de nós, do que os nossos próprios vizinhos.
Para não alarmar ninguém, é claro que não disse que ele estava desaparecido, disse simplesmente que estava à sua procura porque a minha mãe tinha ligado. Assim, podia saber, pelo menos, a última vez que o tinham visto.
Percorri a vizinhança toda! Desde o António, que é um grande amigo do meu pai e que o costumava ver todos os dias, até à senhora Dolores. O António disse que a última vez que o tinha visto, tinha sido exactamente à dois dias, o dia antes do seu desaparecimento. Mas, se havia alguém que podia saber as horas a que o meu pai saiu naquele dia, esse alguém, era definitivamente a senhora Dolores.
Esta mulher, já com os sessenta e muitos anos, ou como ela gosta de dizer, na flor da idade.
Todas as semanas vai ao cabeleireiro e veste as roupas mais pirosas que eu já vi, o que incluiu cores florescentes, que diz estarem na moda. Tem a casa cheia da sua maior paixão: GATOS. Não posso afirmar o número destes adoráveis animais, mas posso dizer que são às dezenas.
Ela passa a maior parte do seu dia, o que inclui toda a manhã, sentada no seu alpendre, rodeada pelos seus mais que tudo, a observar quem passa.
Por isso, de certeza que ela teria visto o meu pai, ou pelo menos era o que eu pensava.
Assim, aproximei-me do alpendre onde a senhora Dolores passava o dia:
- Bom dia, senhora Dolores.
-Bom dia. Já viste os novos gatinhos, aqueles que nasceram ontem?
- Não, mas preciso de lhe perguntar uma coisa importante.
- Então se é assim tão urgente, pergunta.
- Gostava de se não viu o meu pai ultimamente.
- Não que eu veja sempre quem entra e sai, ou quem passa em frente à minha casa. Mas, por acaso, reparei que já há dois dias que nem o vejo passar.

Depois de percorrer todas as casas e de me sentir exausta e ficar sem esperanças, no caminho para casa passei pela casa abandonada, recém ocupada, e decidi experimentar. Não perdia nada em tentar, apesar de já nem me apetecer lá voltar.

Quando acabei de atravessar o jardim, agora muito mais limpo do que da última vez que por lá passei (a dona da casa deve-se ter cansado do aspeto arrojado...), bati à porta. Quem me abriu a porta foi a senhora Bridget. Perguntei-lhe o mesmo que aos restantes vizinhos, ao que ela me respondeu o mesmo que todos os outros. Mas, mesmo assim chamou o marido. Ao contrário de todas as outras pessoas com quem tinha falado, este afirmou ter visto o meu pai pela última vez na manhã do desaparecimento. 

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Noite

Tinha chegado a noite e ainda não havia notícias do pai e muito menos da mãe. Era suposto a mãe voltar daqui a dois dias, e esperava que assim acontecesse.
Decidi manter a calma para bem da minha sanidade, mas principalmente para não deixar o meu irmão nervoso.
Tentei fingir que não estava a acontecer nada de anormal. A minha primeira reação foi dizer-lhe que tinha sido avisada, que o pai me tinha dito que ia passar aquela noite no quartel.
Lá fora estava noite cerrada e as únicas luzes que se viam eram as de uns carros que passavam de muito em muito tempo. Até a lua estava com um aspeto estranho, nuvens escuras encobriam-na e não deixavam nada a descoberto.  A casa dos vizinhos tinha um ar três vezes mais assustador e misterioso mas, posso dizer que naquela noite, não me despertava nem metade do interesse.
Apesar de o meu irmão achar que estava tudo bem, era como se soubesse que algo se passava pois, demorou imenso tempo para adormecer. Faltava o pai para lhe contar histórias antes de adormecer, todos os dias tinha uma nova história, nunca percebi como conseguia ter tanta imaginação. Faltava também a mãe, para lhe compor os lençóis e desejar as boas noites.

Isto tudo parecia vindo de um mau filme, uma situação que achamos que nunca nos poderia acontecer, algo tão irreal, que só podia ser um sonho…

domingo, 22 de dezembro de 2013

Desaparecido

Num primeiro momento não percebi muito bem o que o meu irmão queria dizer com aquilo. Pensei que estivesse a exagerar, o pai apenas tivesse saído e estava a demorar um pouco mais. Mas, quando o vi num pranto, percebi que o problema estava tudo menos relacionado com uma ida às compras demorada.
Fazia uma semana que a minha mãe tinha viajado para ir a um congresso de dentistas.
Ainda não tinha referido, mas a minha mãe é dentista. Trabalha no consultório do senhor Jaime, um homem bastante conservador, com graves problemas de visão. Sempre me interroguei como trataria ele dos seus pacientes, e por isso, sempre me recusei a ser atendida por ele quando tinha uma dor de dentes.
E nos últimos dois dias, tínhamos deixado de a conseguir contactar. Não era nada que nos surpreendesse, uma vez que, a mãe tinha comprado um telemóvel descartável para a viagem, que muitas das vezes não durava muito. Tinha uma ideia fixa de que nunca iria comprar um telemóvel, logo,  sujeitava-se aos descartáveis.
Com a minha azáfama com a casa ao lado, nem tinha reparado que ainda não tinha visto o meu pai naquele dia.  Procurei na casa toda por um bilhete, ou algum tipo de recado, uma justificação para este desaparecimento repentino... Mas não havia nada!
É claro que o pai poderia ter saído mais cedo e ter-se esquecido de nos avisar. Conhecendo o meu pai, posso dizer que muito dificilmente ele faria algo do género, principalmente não estando a mãe em casa.

Ficava  agora a possibilidade de ter de passar a noite sozinha em casa, com o meu irmão, sem notícias dos meus pais. E para agravar a situação, com vizinhos suspeitos mesmo na casa ao lado.  

sábado, 21 de dezembro de 2013

Jardineira

Depois do que vi e ouvi na casa ao lado, tinha a certeza que tinha de lá voltar. O meu único problema seria saber como o iria fazer, uma vez que pedir simplesmente uma visita guiada deveria levantar desconfianças.
De qualquer das maneiras, mesmo que não descobrisse nada estupidamente estranho, de certeza que, uma casa que passou por tantas épocas deveria ser ótima para explorar.
Podia simplesmente esquecer o assunto e voltar à derradeira rotina mas, o meu espírito de aventura e a minha capacidade de me colocar em embrulhadas, falou definitivamente mais alto.
Passei por volta de dois dias a pensar em ideias mirabolantes e planos engenhosos. Estes passavam por entrar pela janela a meio da noite (o que não me pareceu muito seguro), ou até mesmo, entrar infiltrada fingindo que era uma parente afastada que nunca haviam visto (sim, esta última não foi das melhores…).
Por fim, lembrei-me de como os meus pais faziam questão que trabalhasse no Verão, mesmo que fosse sem receber nada… E como os donos da casa estavam em mudanças, pensei oferecer os meus serviços como jardineira. Não que fosse uma profissional, mas às vezes, uma das minhas tarefas é cortar a relva do nosso jardim, e apesar do jardim deles dar muito mais trabalho do que o meu, o importante era ter a oportunidade de entrar na casa, o resto depois arranjava-se.
Vesti as minhas jardineiras de ganga, para ter um ar mais adequado à tarefa, e comecei a descer as escadas o mais rápido que pude. A minha missão não podia esperar!
Atravessei o jardim da frente a correr, bati à porta. A senhora Bridget abriu a porta, e disse, um pouco ofegante por causa da correria:
- Olá, gostava de poder ajudá-los a arranjar o vosso jardim, sou uma jardineira com bastante experiência, corto a relva do meu jardim sempre que me compete.
Ao que ela respondeu, de forma muito rápida:
- Por agora vou dispensar os seus serviços, gosto do jardim com este aspeto mais arrojado, mas se algum dia precisar será a primeira pessoa que vou contactar.
É claro que fiquei bastante desiludida por isso, agradeci e regressei imediatamente a casa, não com o mesmo ritmo com que saí, as aulas de ginástica estavam a fazer-me falta. A desculpa não foi das melhores, acho que em vez de querer um jardim arrojado, não deve ter gostado foi da minha maneira arrojada de abordar a questão. Mas, não a posso criticar, nem toda a gente consegue reconhecer um bom negócio quando este aparece.
Estava quase a bater com a porta, quando o meu irmão aparece de repente. Pensei que me ia chatear com alguma séria televisiva, que por alguma razão, que a própria razão desconhece, não tinha passado hoje na televisão. Mas não. O pai tinha desaparecido!

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Visita aos novos vizinhos

Quando alguém decidiu abrir a porta, reparei que era a mulher que tinha visto sair do carro no dia anterior. Desta vez, trazia o longo cabelo avermelhado apanhado. Assim que o meu pai se apresentou, convidou-nos imediatamente a entrar, perguntando de seguida se gostaríamos de tomar alguma coisa, apesar de não ter nada mais do que água da torneira e leite que tinha comprado nessa manhã.
Nunca tinha visto uma casa com um tecto tão alto, que acompanhava a longa escadaria com carpete castanha, provavelmente devido ao tempo sem ser lavada. Pendia do tecto um candelabro, que para além de aparentar falta de limpeza, pois o que não lhe faltava era pó e teias de aranha, de certeza que era bastante valioso. As paredes eram maioritariamente cobertas de papel de parede, quer dizer, o que restava delas… O chão era o que se encontrava em melhor estado, mas isso, era porque foi fabricado a partir de um tipo de madeira muito boa, como o pai me explicou depois.
Ao contrário da primeira impressão que tive, a senhora Bridget, pareceu-me uma mulher bastante amigável e não uma nariz empinado. Mas, é claro que não me ia deixar convencer assim tão facilmente, apesar de os biscoitos que ela me ofereceu serem bastante bons. Não posso cair nesse esquema!
Torna-se um pouco estranho, que em primeiro lugar, alguém tenha comprado uma casa naquelas condições, e que depois não haja nenhum homem a arranjar aquelas paredes ou a limpar o jardim. Parece que compraram aquela casa, porque gostaram do ambiente desgastado.
Quando estávamos a ir embora, ouviu-se um estrondo enorme, como se um elefante se tivesse acabado de sentar. E, de seguida, aparece o marido da senhora Bridget vindo do que parecia ser a cave.
Ao ver-nos ficou sem saber o que fazer. O ar atrapalhado, juntamente com o pouco cabelo despenteado, faziam dele um péssimo mentiroso. Disse-nos que andava a montar uns móveis e que estes, tinham acabado de cair. Seria uma desculpa plausível, mas poucas devem ser as pessoas que montam móveis na cave… O melhor, foi quando o meu pai lhe ofereceu ajuda, mudou tão rapidamente de assunto que, não se percebia metade do que dizia.

Assim, decidimos voltar para casa, até porque a minha alergia aos ácaros estava a tornar-se bastante intensa, o que não era de admirar.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Jardim sem fim...

Depois das minhas suspeitas, pouco fundamentadas, em relação aos novos vizinhos, decidi conhecê-los melhor. Para isso, aprovei a boleia do pai, que como um homem prestativo que é, foi apresentar-se e perguntar se precisavam de ajuda.
Quem conhece o pai sabe que é bastante solidário, às vezes até demais, o que deixa a mãe um pouco irritada. Pois, ela está sempre a dizer que devia pensar um pouco mais nele e na família. No inverno passado até se inscreveu na corporação de bombeiros, com o intuito de poder ajudar mais pessoas. Tal acontecimento fez com que o Natal tivesse de ser passado em nossa casa, em vez da habitual noite de Natal com os avós, porque o pai ia chegar tarde naquela noite.
O meu pai usa sempre os mesmos fatos desgastados de tons de verde e bege, às vezes penso se a roupa que ele veste num dia não é exactamente a mesma do dia anterior. E tem sempre o mesmo penteado desgrenhado como se tivesse acabado de sair da cama.  
Era a primeira vez, que entrava naquele jardim, assim que se entrava não parecia haver saída. As plantas trepadeiras cobriam as paredes da casa, as árvores deformadas cresciam em torno do jardim e os ramos cobertos de folhas, que não eram aparados há bastante tempo, fazia com que os ramos de todas as árvores se embaraçassem, o que impedia que a luz do sol chegasse ao nível do chão.  A relva, se assim se pode chamar, já quase que estava à altura dos meus joelhos. Mas, o que me chamou mais à atenção foi a fonte, plantada no centro, tinha a estátua de um lagarto enorme sentado numa pedra, com a boca aberta, por onde em tempos deveria escorrer água.

Chegamos finalmente à porta e toquei à campainha, novidade, não tocava… Por isso, tivemos de bater à porta. Depois de algum tempo, ouvimos uns passos lentos e pesados, estava alguém a aproximar-se da porta. 

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Novidades de verão!

Depois da pasmaceira que tem sido este verão, finalmente aconteceu algo de novo! Não que seja algo extremamente emocionante, que me faça passar a noite em branco, mas tendo em conta os últimos acontecimentos (ou seja, nenhuns!), é o melhor que arranjei para dar mais entusiasmo à minha vida.
Ontem, fui passear o Izzy. Há algum tempo que ele não saia de casa, andava um pouco abatido por causa do calor extremo, na realidade estamos todos neste estado de espírito.
O cão da família já tem alguma idade, não sei bem quantos anos terá, porque os meus pais encontraram-no na rua ainda antes de eu nascer, e decidiram adoptá-lo. Apesar de ter um andar lento, tem sempre um ar superior, como se nada o afectasse, nem mesmo o peso da idade.
Uma vez, a porta para o jardim ficou aberta e perdemos o Izzy. O que fez com que o encontrássemos foram: os seus olhos, um de cada cor, um azul e outro verde, e as suas patas, as patas do lado esquerdo castanhas e as patas do lado direito brancas. Características que o distinguiam bem de todos os outros cães, e que fez com que uma senhora que morava a dois quarteirões da minha casa o devolvesse, depois de o ter encontrado no seu jardim a dormir.
Ontem, depois do passeio com Izzy, reparei na carrinha de mudanças que chegara à casa ao lado.  Fiquei surpreendida por alguém comprar a casa e ainda mais surpreendida por aceitarem mudar-se para lá. A casa está claramente a precisar de umas largas obras, seguidas de um tratamento a fundo do jardim. Uma vez, ouvi uma conversa entre os avós e eles diziam que a casa estava assombrada, e por isso, ninguém a queria comprar. Mas, é claro que essa história não me convenceu, o mais provável é ter sido inventada por algum agente imobiliário da concorrência.
Seguida da carrinha das mudanças, chegou um carro que aparentava ser o dos meus novos vizinhos. Primeiro, saiu um homem com pouco cabelo, mas o cabelo que tinha era negro. Vestia-se com roupas um pouco pequenas, para o seu corpo avantajado, mas, em compensação, era um fato que parecia ser bastante caro.
Este homem, saiu a correr do carro e foi abrir a outra porta, de onde saiu uma mulher esguia, de nariz pontiagudo e empinado, com cabelo cor de fogo. Usava um vestido cinzento, tão comprido que impedia que lhe visse os sapatos.

Na minha opinião, faziam um casal engraçado, uma vez que eram exactamente o oposto um do outro. Mas, só podiam ter alguma coisa de errado, para comprarem uma casa daquelas…

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

As aulas terminaram! E espera-me um verão muito, muito longo….

As aulas tinham finalmente terminado! Sei que não fica muito bem abordar o assunto desta forma, porque a “escola é muito importante, constitui o elemento mais importante para a tua formação...”, este é a lengalenga que estou habituada a ouvir da mãe. E é claro que eu compreendo a importância mas, com este tempo quente que transforma as ruas num verdadeiro deserto, a coisa mais inteligente a fazer é, sem qualquer dúvida, ficar o dia todo em casa com o ar condicionado no máximo. Para além disso, este foi o meu último ano no secundário, posso finalmente considerar que sou uma verdadeira adulta, ou como a minha mãe lhe gosta de chamar: “adulta inconsciente”. 
A minha mãe aparenta ser bastante autoritária e pouco flexível, mas posso orgulhar-me de dizer que com um pouco de perspicácia lhe dou a volta. Tem cabelos longos e ondulados, que me fazem lembrar as sereias dos livros das histórias para adormecer. O que me fascina verdadeiramente na sua figura, são os cabelos negros, que apresentam um tom azulado com o luar, nunca entendi esta situação e posso afirmar que não está relacionado com uma má coloração pois, aos seus quarenta e cinco anos não tem um único cabelo branco.
Posso dizer que a sua peça de roupa favorita são vestidos, nunca na minha vida, pelo menos que me lembre, a vi a usar uma t-shirt e umas calças de ganga. É claro que este facto tem uma explicação e eu penso ter descoberto a razão, após uma larga análise psicológica. Como era a filha mais nova de quatro irmãos todos rapazes, a roupa que deixava de servir dos irmãos era a que ela vestia que, muito provavelmente, não incluía vestidos ou saias! Tenho a certeza que é esta a razão, visto que, assisti o meu irmão mais novo a sofrer do mesmo mal: quando era pequeno, andava a maior parte do tempo vestido de cor-de-rosa, com babetes cor-de-rosa e a passear num carrinho todo trabalhado no detalhe, que incluía rendinhas cor-de-rosa. Lembro-me de na altura ficar surpreendida por os meus pais se sentirem ofendidos por as pessoas acharem que ele era uma menina, pois, segundo eles, de certeza que nenhuma criança se parecia mais com um homenzinho que o menino deles.

Já estava em casa há cerca de três semanas e todos os meus planos foram por água abaixo … O ar condicionado avariou e a única coisa que sobrou para refrescar este ar sufocante foi uma ventoinha de bolso, que tenho constantemente de dividir com o meu irmão.