terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Veia de Detetive

Na manhã seguinte decidi que não podia ficar de braços cruzados em casa, como se nada se passasse, como se a minha vida decorresse na mais perfeita normalidade.
Fui à polícia, expliquei toda a situação. Disseram-me que era cedo demais para tirar conclusões e que o melhor era esperar. Mas, esperar pelo quê? Esperar que o meu pai, ou o que sobrar dele, apareça em algum sítio, abandonado, após um assalto que correu mal? Esperar que passem anos, e que as notícias sobre o seu desaparecimento sejam, nenhumas?
Não ia esperar.
Sempre tive uma veia de detective, e como tal, meti na cabeça que, se o meu pai estava desaparecido de certeza que podia arranjar alguma pista que me levasse ao seu paradeiro.
Ninguém desaparece como por magia, sem deixar rasto ou algum tipo de pista. Tem de haver alguém, que o tenha visto naquele dia terrífico.
Comecei por fazer uma pequena investigação mesmo ali, no bairro onde morávamos. O pai teve de sair de casa, e ninguém melhor para saber as saídas e entradas de cada um de nós, do que os nossos próprios vizinhos.
Para não alarmar ninguém, é claro que não disse que ele estava desaparecido, disse simplesmente que estava à sua procura porque a minha mãe tinha ligado. Assim, podia saber, pelo menos, a última vez que o tinham visto.
Percorri a vizinhança toda! Desde o António, que é um grande amigo do meu pai e que o costumava ver todos os dias, até à senhora Dolores. O António disse que a última vez que o tinha visto, tinha sido exactamente à dois dias, o dia antes do seu desaparecimento. Mas, se havia alguém que podia saber as horas a que o meu pai saiu naquele dia, esse alguém, era definitivamente a senhora Dolores.
Esta mulher, já com os sessenta e muitos anos, ou como ela gosta de dizer, na flor da idade.
Todas as semanas vai ao cabeleireiro e veste as roupas mais pirosas que eu já vi, o que incluiu cores florescentes, que diz estarem na moda. Tem a casa cheia da sua maior paixão: GATOS. Não posso afirmar o número destes adoráveis animais, mas posso dizer que são às dezenas.
Ela passa a maior parte do seu dia, o que inclui toda a manhã, sentada no seu alpendre, rodeada pelos seus mais que tudo, a observar quem passa.
Por isso, de certeza que ela teria visto o meu pai, ou pelo menos era o que eu pensava.
Assim, aproximei-me do alpendre onde a senhora Dolores passava o dia:
- Bom dia, senhora Dolores.
-Bom dia. Já viste os novos gatinhos, aqueles que nasceram ontem?
- Não, mas preciso de lhe perguntar uma coisa importante.
- Então se é assim tão urgente, pergunta.
- Gostava de se não viu o meu pai ultimamente.
- Não que eu veja sempre quem entra e sai, ou quem passa em frente à minha casa. Mas, por acaso, reparei que já há dois dias que nem o vejo passar.

Depois de percorrer todas as casas e de me sentir exausta e ficar sem esperanças, no caminho para casa passei pela casa abandonada, recém ocupada, e decidi experimentar. Não perdia nada em tentar, apesar de já nem me apetecer lá voltar.

Quando acabei de atravessar o jardim, agora muito mais limpo do que da última vez que por lá passei (a dona da casa deve-se ter cansado do aspeto arrojado...), bati à porta. Quem me abriu a porta foi a senhora Bridget. Perguntei-lhe o mesmo que aos restantes vizinhos, ao que ela me respondeu o mesmo que todos os outros. Mas, mesmo assim chamou o marido. Ao contrário de todas as outras pessoas com quem tinha falado, este afirmou ter visto o meu pai pela última vez na manhã do desaparecimento. 

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